A Terra segundo o Google

A ferramenta é simples, como boa parte dos serviços da família Google (Gmail, Google Analytics etc). Dois cliques e três minutos depois e... voilà, você terá o mundo na ponta dos dedos. Para o trabalhador comum que não desfruta de utensílios básicos da aerodinâmica mundial - como um helicóptero da Daslu no quintal - e que só voa na hora de descer do ônibus, o “Earth” representa a chance de ver o teto de sua casinha pela primeira vez. Que atire a primeira pedra quem nunca teve a indiscrição de fazer o mesmo. Rico ou pobre. Alguém se habilita?
Não há ser humano, vivo ou morto, que não tenha curiosidade de ver a Terra da perspectiva da lua ou do jatinho do Donald Trump. Eu mesmo, num ato de bisbilhotice mórbida, visitei o Dakota Building, no Upper West Side, em Nova York, última morada de John Lennon. Sempre tive vontade de ir à Big Apple, mas nunca tempo (leia-se money, tutu, bufunfa, $$$ mesmo). A poucos metros a pé, ou em cen

Em outras épocas, esse “turismo virtual” seria impensável. Nelson Rodrigues, que era "cabeçudo como um anão de Velásquez”, como ele próprio definia, guardou em sua cabeça-balão crônicas memoráveis da Zona Norte carioca, onde morou no início do século 20. Numa dessas histórias, se recorda de Lili, uma vizinha gostosa por quem o escritor, aos seis anos, se enamorou. Lili se apaixona por um jovem tuberculoso. Como bem se sabe, a doença, na época, era letal. Cansada das surras do pai, que não aceitava o destino do moço, Lili tocou fogo no próprio corpo. Nelson lembra, aterrorizado, de caminhar pela calçada enquanto ouvia a vizinha “arder como uma estrela”.
Vejam. O curioso Nelson caminhava despretensiosamente pelo passeio público quando ouviu Lili estalar em chamas. Por mais que o autor não ilustre a cena, ao menos da maneira que o “Earth” faria com as ruas de Paris ou Bangu, sua narrativa transmite ao leitor o hálito quente de churrasco que invadiu as narinas do menino, imóvel, sob a janela da moça.
A crônica de Nelson só nasceu porque o escritor deslizava pelas ruas como um Baudelaire suburbano. Ao flanar por entre os paralelepípedos da Zona Norte, percebeu que o ser humano é tão cruel como curioso. Desde sua infância, há 6 mil anos, o homem mata e morre de quinze em quinze minutos (no Rio, já superamos a marca). Ao vivenciar – do latim viventia, fato de ter vida, de viver; existência, experiência da vida - histórias como a de Lili, Nelson concluiu que a solidão nasce da convivência humana.

Numa época em que a busca por prazeres virtuais supera, em muito, os reais, o Google Earth supera, em muito, as calçadas e bancos de praça. Nelson disse, certa vez, que a televisão matou a janela. Pergunto, então, aos meus botões, se a utilidade do “Earth” vai além da visualização digital de tetos e ruas, ou apenas entrega que a piscina do vizinho é maior do que a sua. A Terra vista daqui debaixo é tão mais bonita. Cartas para a redação.
Por fora do "Earth"? Então baixa aqui.
Gente nua pelo Google Earth? Também tem, mas sem a definição que o mão peluda gostaria: http://googlesightseeing.com/index.php?s=topless
3 Comments:
Rá! Tá tudo dominado! Apesar de encurtar olhares o Google ainda não aproxima corações... e a gente, se vc quando?
Oi, Fred,
Eu tardo, mas não falho. Seu blog está super legal. Depois de ler o post sobre o Google Earth, vou ter que ir lá de qq maneira! beijão da Larissa
hey rapaz... cadê o novo texto desse blog??
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