31.5.07

A ducha fria alvinegra

Desde garotinho que não sou Botafogo. Nasci Flamengo e, como todo bom rubro-negro, tenho o Vasco como segundo time. Segundo na Copa do Brasil, segundo no carioca, segundo no Campeonato Brasileiro, segundo no Mundial interclubes, e por aí vai.

Mas é por causa do Botafogo que lhes dirigia a palavra. Do Botafogo e dos botafoguenses. Vejam vocês que ontem, ao sair do escritório, no Centro do Rio, arrumei uma condução que passava bem em frente ao Majestoso, o Maracanã. Tinha me esquecido que era quarta-feira, e o Botafogo disputava o jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil contra o Figueirense. O alvinegro carioca havia perdido por 2 x 0 em Florianópolis e precisava de pelo menos dois gols para levar a decisão aos pênaltis. Três gols de diferença garantiriam a vaga na final.
Muito bem. E o que isso interessa na viagem de volta para o meu tranqüilo lar em Jacarepaguá, vocês perguntariam? Nada, se o Maracanã não tivesse sido construído bem no meio do caminho entre o trabalho e um banho quente e acolhedoras meias de lã. Ah, sim, estamos no fim de maio e o frio de interior de bolsa térmica que corta o Rio este ano se antecipou às convenções, dando as caras em pleno outono. Para o carioca médio, acostumado às ardências do verão, quando o termômetro da Praça da Bandeira indica 16 graus, isto mais do que justifica um banho quente e as meias de lã.
Dito isso, eis que minha admiração pelo Botafogo só aumentou ao ver aquele repertório de botafoguenses nas ruas. Mães, avós, tios, namoradas, amantes, todos com as mandíbulas dançando de frio rumavam em direção ao Majestoso. E que belo espetáculo é esse estádio. Seus holofotes, quando acesos, podem ser vistos à distância (talvez Santa Cruz), como para sinalizar uma área de pouso de alienígenas (quiçá São Cristóvão). Tinha botafoguense saindo pelo ladrão, chegando de van, de trem, de ônibus. Vi até um torcedor empurrando seu Puma prateado (uma beleza) sem gasolina para dentro de uma vaga sob o viaduto da Uerj.
O circo armado, 64 mil pagantes se esquentando na arquibancada, e só dá Botafogo. O jogo mais parece um duelo de Davi contra Golias. O escrete do Botafogo é infinitamente superior ao do time sulista. Que poderia fazer o Figueirense contra um Zé Roberto, negro potente, habilidoso, imponente, a Alma do Botafogo. Ou contra um Túlio, um esforçado Joílson. Que poderia fazer contra um artilheiro nato, talento escasso no futebol carioca, como Dodô?
Que poderia fazer o Figueirense contra o time mais bem armado, mais bem treinado do Rio, e que além disso carregava o peso de 64 mil mandíbulas sambando de frio e de paixão na arquibancada? Nada. Absolutamente coisa nenhuma. E foi assim que o Botafogo enfiou dois gols no primeiro tempo, sem a menor dificuldade. E olha que a vantagem poderia muito bem ter sido de três, quatro, ou quem sabe cinco. Poderia? Ah, poderia, sim.
Mas observem, eventuais leitores, que os jogadores do Botafogo foram para o intervalo e não voltaram mais. Como se os dois gols da primeira etapa bastassem, o time desandou na segunda como massa de bolo. Largaram as energias em algum canto do vestiário ou do primeiro tempo. Zé Roberto, a Alma do Bota, não tinha mais pernas de tanto que armou, correu, driblou, fez e perdeu gol nos 45 minutos iniciais. Mas foi peça quase nula nos 45 seguintes. Era uma Alma nula. E vejam que, sem sua Alma, o time alvinegro não foi mais o mesmo. Passou o segundo tempo todo como Cleópatra esperando as uvas.
Aí até uma jovem, assustada e – que me corrijam se lhes dirijo baboseiras - inexperiente equipe catarinense entrou no jogo. Seus jogadores, que no primeiro tempo não tiveram a ousadia de cruzar o meio de campo, agora driblavam, acertavam passes, tabelas inteiras. E foi num desses lances menores, um despretensioso chute de fora da área, que o bom goleiro Júlio César engoliu um frangaço daqueles. Teve a hombridade de assumir a ave como responsabilidade sua, mas a eliminação não foi mérito exclusivo do jovem goleiro. Nesta noite de banhos quentes e meias de lã, o time inteiro do Botafogo caiu como uma ducha gelada nos seus torcedores.

23.5.07

A caça e o caçador

"Sonhei que o cervo ileso pedia perdão ao caçador frustrado" - Nemer Ibn El Barud

E não é daí que nascem as grandes amizades?

21.5.07

O fenômeno murundu

O brasileiro não pode ver um apinho de gente que quer logo fazer parte. Para comprovar o fato, basta um atropelado na Rua México, uma tentativa de restituição no INSS ou o Flamengo jogar numa quarta-feira. A multidão, segundo o Aurélio, também pode ser de coisas, como o PF que você pede na padaria da esquina para economizar uns trocados. E quando chega o pedido você se arrepende de ter sido tão pão duro, bate aquela farofa com ovo azeda mais por raiva do que por fome e ainda pede um mate Leão “no copinho, por favor” em protesto.

Na maioria dos casos, os ajuntamentos urbanos são causados por uma quantidade enorme de pessoas que tentam realizar uma mesma tarefa, num mesmo lugar e numa mesma hora. No Rio e em Macau, isto é muito comum no caso do transporte público. Ônibus e trens transportam, diariamente, centenas de milhares de cidadãos de casa para o trabalho, do trabalho para casa, ou de qualquer destes dois lugares para o boteco da esquina.
Uma versão bastante popular das aglomerações se dá no metrô da Cinelândia, de segunda a sexta, entre as 18h e 19h30. É o fenômeno do murundu. Fosse um marciano funcionário raso da Petrobrás a utilizar o metrô pela primeira vez, deixaria o escritório, atravessaria a Praça Floriano e, ao descer as escadas, se depararia com a fila das roletas. Estágio um.
Estágio dois. Passada a fila da roleta e o guarda municipal que acompanha a coleta dos bilhetes com um sorriso sacana nos lábios, o extraterrestre se posicionaria num dos mini-focos de ajuntamentos à beira da linha dos trilhos. Consultando o jornal que não teve tempo de ler durante o dia, observaria, com desconfiança, os dizeres em amarelo no chão: “Atenção com o vão entre o trem e a plataforma”.
Aberta a porta automática, seria atirado de súbito dentro do estágio três, que configura entrar no vagão aos empurrões e cotoveladas. Finalmente, o marciano entenderia que a estação da Cinelândia é repleta de atividades que incluem "vãos", além daquele entre o trem e a plataforma. Tentar se mover é em vão, tentar respirar é em vão, reclamar que o salto da senhora esmaga seu mindinho esquerdo é em vão, tira o dedo daí e vão... E tome murundu sentido Zona Norte.
Uma vez no interior do vagão você deixa de ser você. Segundo as leis do murundu, dois corpos podem e têm que ocupar o mesmo espaço. Tamanho é o aperto, que uma breve coçada de nariz num extremo do vagão, por mais discreta que seja, gera um belo de um cotovelaço no estômago na outra ponta. Se ali começasse uma partida de frescobol, o murundu seria ao mesmo tempo jogadores, bola e raquetes em movimentos constantes e involuntários de vaivém, seguidos de 20 pai-nossos e 13 ave-marias para que o ar-condicionado não quebre no meio do caminho.
O fenômeno murundu também produz seus derivados, entre os quais podemos citar a apalpadela. Praticada, em geral, por homens que aproveitam o entroncamento de corpos para tatear o traseiro alheio – na maioria das vezes pertencente ao sexo oposto, embora isto não seja uma regra – vem sendo mais comum em vagões do metrô. Já há registros de casos em vans.
Normalmente a apalpadela é seguida de um safanão – outro derivado – no apalpador e acompanhada de bolsadas e gritos de “tarado” até que o mesmo seja expulso do vagão. Para solucionar o problema foi criado o vagão feminino, que além de ser freqüentado exclusivamente pelo sexo mencionado e possuir adesivos cor-de-rosa-de-calcinha-velha do lado de fora, é muito útil para constranger homens desavisados.

Como tudo que é bom dura pouco, o murundu salta do trem na estação do Estácio. Vai espalhar sua alegria pela linha 2 de transferência, sentido Pavuna.

23.2.07

A Terra segundo o Google

Meu Deus, digo, meu Google. Afinal, é assim que deve se sentir Deus: como uma ferramenta de busca com design da Europa Technologies. Foi essa a impressão que tive ao usar o Google Earth for the first time. Meu cursor tropeçou nesta maravilha por acaso. Procurava uma pousadinha para descansar no feriado de Carnaval e, quando vi, já estava debruçado sobre a Guanabara, rastreando a estátua do Cristo como um turista alemão.

A ferramenta é simples, como boa parte dos serviços da família Google (Gmail, Google Analytics etc). Dois cliques e três minutos depois e... voilà, você terá o mundo na ponta dos dedos. Para o trabalhador comum que não desfruta de utensílios básicos da aerodinâmica mundial - como um helicóptero da Daslu no quintal - e que só voa na hora de descer do ônibus, o “Earth” representa a chance de ver o teto de sua casinha pela primeira vez. Que atire a primeira pedra quem nunca teve a indiscrição de fazer o mesmo. Rico ou pobre. Alguém se habilita?

Não há ser humano, vivo ou morto, que não tenha curiosidade de ver a Terra da perspectiva da lua ou do jatinho do Donald Trump. Eu mesmo, num ato de bisbilhotice mórbida, visitei o Dakota Building, no Upper West Side, em Nova York, última morada de John Lennon. Sempre tive vontade de ir à Big Apple, mas nunca tempo (leia-se money, tutu, bufunfa, $$$ mesmo). A poucos metros a pé, ou em centímetros pelo mouse pad, chego ao memorial “Imagine”, no Central Park.

Em outras épocas, esse “turismo virtual” seria impensável. Nelson Rodrigues, que era "cabeçudo como um anão de Velásquez”, como ele próprio definia, guardou em sua cabeça-balão crônicas memoráveis da Zona Norte carioca, onde morou no início do século 20. Numa dessas histórias, se recorda de Lili, uma vizinha gostosa por quem o escritor, aos seis anos, se enamorou. Lili se apaixona por um jovem tuberculoso. Como bem se sabe, a doença, na época, era letal. Cansada das surras do pai, que não aceitava o destino do moço, Lili tocou fogo no próprio corpo. Nelson lembra, aterrorizado, de caminhar pela calçada enquanto ouvia a vizinha “arder como uma estrela”.

Vejam. O curioso Nelson caminhava despretensiosamente pelo passeio público quando ouviu Lili estalar em chamas. Por mais que o autor não ilustre a cena, ao menos da maneira que o “Earth” faria com as ruas de Paris ou Bangu, sua narrativa transmite ao leitor o hálito quente de churrasco que invadiu as narinas do menino, imóvel, sob a janela da moça.

A crônica de Nelson só nasceu porque o escritor deslizava pelas ruas como um Baudelaire suburbano. Ao flanar por entre os paralelepípedos da Zona Norte, percebeu que o ser humano é tão cruel como curioso. Desde sua infância, há 6 mil anos, o homem mata e morre de quinze em quinze minutos (no Rio, já superamos a marca). Ao vivenciar – do latim viventia, fato de ter vida, de viver; existência, experiência da vida - histórias como a de Lili, Nelson concluiu que a solidão nasce da convivência humana.


De volta ao “Earth”. Reza a lenda que o programa foi idealizado pelo governo americano, em meados da década de 60, para espionar os russos. Com a queda do muro de Berlim, a democratização da Internet e os avanços da tecnologia aeroespacial da Nasa - que hoje em dia só usa satélites made in Taiwan (bem mais em conta, dizem) -, qualquer pessoa, com no mínimo um acesso discado em casa, pode ir aonde Cabral jamais esteve antes. Ao menos virtualmente.

Numa época em que a busca por prazeres virtuais supera, em muito, os reais, o Google Earth supera, em muito, as calçadas e bancos de praça. Nelson disse, certa vez, que a televisão matou a janela. Pergunto, então, aos meus botões, se a utilidade do “Earth” vai além da visualização digital de tetos e ruas, ou apenas entrega que a piscina do vizinho é maior do que a sua. A Terra vista daqui debaixo é tão mais bonita. Cartas para a redação.



Por fora do "Earth"? Então baixa aqui.

Gente nua pelo Google Earth? Também tem, mas sem a definição que o mão peluda gostaria: http://googlesightseeing.com/index.php?s=topless

14.2.07

Cuba para os... cubanos?

Vejam se a confusão está apenas deste lado do monitor: “Ser cubano é sinônimo de ser republicano. Quando digo às pessoas que sou democrata, pensam que sou comunista. Temos um presidente republicano e tivemos um Congresso também republicano por anos. O que mudou?”, pergunta a ativista Susana Betancourt, presidente do Comitê Democrata Hispânico de Miami, na Folha de São Paulo desta terça (13).

A reportagem trata da preferência eleitoral de exilados cubanos nos Estados Unidos pelo partido de Bush. Segundo levantamento, sete em cada oito expatriados da Ilha, agora residentes no sul da Flórida, ajudaram a eleger o presidente americano em 2000.

São aproximadamente 800 mil cubanos só na área de Miami, onde a nossa amiga ativista é minoria. Democrata, naturalizada americana, hispânica e comunista (?!/sic), Susana flutua numa espécie de limbo do imaginário expatriado.

Insatisfeitos com as estatizações realizadas por Fidel, os cubanos bem de vida do regime de Fulgencio Batista deixaram a ilha antes de 1980, às barbas (com trocadilho) da Revolução. Correram como pivetes da Cinelândia, deixando para trás dinheiro, jóias, automóveis, adegas, mansões, pousadas, hotéis. Pelas suas contas, Fidel não duraria um ano no poder.

Quarenta e oito anos depois, esta “velha guarda” recebe a brisa morna dos recifes da Flórida nos cabelos brancos enquanto agita, uma em cada mão, bandeiras cubanas e americanas. Sai às ruas de Pequeña Habana, em Miami, e exige uma política mais dura contra o regime castrista e a manutenção do embargo entre uma tacada e outra no mini-golfe. Vejam: a “velha guarda” cubana carrega as marcas da revolução para o mini-golfe.

Postura diferente a dos que chegaram aos Estados Unidos após 80. Estes defendem a flexibilização das leis americanas em relação à Havana. Entre elas, a liberdade de viajarem a turismo para a ilha. As novas gerações têm saudade da terra natal. Desejam “visitar” Cuba como um carioca visita o Porcão em Nova York.

E que raios a nossa ativista Susana tem a ver com a lingüiça que se assa em Nova York? Tem tudo a ver. Qual a relação entre o jovem Democrata ser confundido com “comunista” na América? Toda, tem toda relação. A própria personagem da Folha amarra a resposta com uma pergunta: o que mudou com os Republicanos no poder?

Concebida sem prazo de validade, a guerra do Iraque e a conseqüente baixa popularidade de Bush deixaram lacunas. Com o fracasso da investida, uma parte da população desacreditou do discurso Republicano para abraçar o Democrata. Os “comunistas-ativistas” da nova geração dispensaram a farda verde-oliva e hoje depilam a face com presto-barba do Wal-Mart. Mas, mesmo nascidos em ventres expatriados, sentem falta de casa. Querem sentir Cuba, querem cheirar Cuba, querem babar seus pileques em Cuba. Com ou sem "el Comandante".

Na corrida à sucessão presidencial americana de 2008, os candidatos de ambos os partidos apontarão –espera-se- novos rumos para a ocupação no Oriente Médio, assim como seus planos para o regime cubano quando Fidel abotoar o paletó de madeira. Enquanto isso, Cuba está mais para os americanos do que para os cubanos.


"Mercadolivre - onde comprar e vender de tudo". De tudo mesmo. Vejam, cubanos com ótimos preços em até 6x:

16.1.07

O verdadeiro íntimo

Vocês conhecem o Pierre? Magro, alto, piercing no mamilo esquerdo, cavanhaque ralo, Brother... isso, com B maiúsculo, de Big Brother. Me peguei falando nele como se fosse um íntimo, um amigo, um vizinho de porta. Ontem mesmo liguei para um grande amigo, verdadeiro íntimo. Gian Calvi, o homem com sorriso mais Colgate do mundo, me responde do outro lado da linha: “Meu camarada, quanto tempo”. Quase um mês sem nos falarmos e ele me atende com sorriso de anjo.

Conheci Pierre na madrugada de sábado. Uma tentativa de checar os emails, após sair da sessão de meia-noite do Arteplex Botafogo, selou meu destino pelas próximas três horas. Fui bombardeado por ilustres desconhecidos: Fani (como funny, do inglês, ou faniquito, do português mesmo), um híbrido de Bruna Surfistinha com Nestor Kirchner de Nova Iguaçu, se atracou com o alemão Diego, que estava a fim de Irislene (sic), uma interiorana diretamente de Uberlândia para uma latinha de cerveja em algum canto da mansão BBB. Em outro, estava Pierre.

O vi pela primeira vez nos momentos finais da festa Vamp, ao vivo e em tela inteira de plasma do computador. Esparramado na cama, acompanhei Bruno, Liane, Daniel, Analy, Flávia Ayrton etc etc... tipos ordinários como você e eu. Só peguei no sono quando terminou a festa (ou seja, após sessões privadas de vômito dos BBs). Mas eis que, ao ligar a TV na noite seguinte, lá estava ele, Pierre, a quem tratei com a maior intimidade.

Pierre, fã de Cazuza e Tati Quebra-Barraco, é até um rapaz bonitão. Aliás, como 95% dos Brothers atuais. Gente feia não entra na casa do Boninho. O boato que corre é que os feios, que coincidiam de ser também bem pobrinhos, vinham levando as últimas edições do reality. Vejam. Cida, do BB4, era babá. Mara, do BB6, auxiliar de enfermagem na Bahia e lavadeira de roupas oficial da casa. No BB5, deu Jean. Intelectual e homossexual premiado? Ora bolas, e ainda dizem que no Brasil justiça não é feita.

Aparentemente, as duas “qualidades” - pobre e feio -, indesejáveis até para o filho do vizinho, valiam aos Brothers a simpatia imediata do público, tornando as últimas edições do BB um jogo de cartas marcadas.

Para salvar o reality show do marasmo e somar preciosos pontos do Ibope, tomaram outra providência condenável: Arrancaram-nos o direito de mentir. Ou melhor, de mentirem para a gente. Instalaram um detector de mentiras no confessionário. Um ultraje! Não há mais segredos entre o Brother e o espectador. Ele não nos engana mais.

Com a mentira foi-se também o mistério do sorriso maroto, a dúvida da voz trêmula, o suor frio mudará de temperatura. Enfim, foi-se a graça.

Imaginem se a moda pega. O recurso será utilizado em salas de aula, elevadores, áreas de não-fumantes dos maiores escritórios do país, no pescoço do Maluf. Onde for possível instalar uma câmera e um detector de mentiras, a fofoca não estará.

O ser humano é o único ser que mente. Não se vê um casal de pombos na Cinelândia desviando uma porção de milho para dar de comer às suas rolinhas famintas. O tigre, o leão, o sapo, o boi, a foca hão de ser o que são eternamente. Tudo bem que tem muito camaleão desfilando de colarinho branco por aí. Mas são poucos os animais que se falsificam. Ou alguém já viu escândalo do mensalão entre os lêmures de Madagascar? Me pergunto como seria um Valerioduto canino.


-Querido, o Rex voltou a fazer buracos no jardim.

-Não se preocupa amor, é que os abrigos do canil entraram em obra e o Rex precisa de um lugar para esconder os fundos da licitação.

Não sei se me entendem. Mas para os humanos, acabar com a mentira é aflorar um pouco de seu instinto animal. A mentira é o último recurso da verdade.

Essas últimas linhas são escritas enquanto Bial comanda o “paredão” de domingo. Torço para que Pierre não seja eliminado. Odeio perder um amigo.



Leiam também o
Blog do Pierre, quase com o mesmo número de acessos que o meu, óbvio. Para um perfil dos demais participantes, romances, fofocas e afins, visite o site oficial do BBB.

7.1.07

Artistas da Fome

Comer já não é mais instinto, necessidade, virou racionalidade. Leio na última Marie Claire de 2006 que algumas meninas não mais ingerem alimentos por vontade, perderam o gosto – literalmente. Alimentação, vejam só, é inaptidão.

Mas como? Comer talvez seja a maior verdade histórica. Não comer? É antinatural, anti-humano. Encaremos: são antimeninas.


Em vez de restaurantes a R$ 1, no futuro teremos batalhões ensandecidos de meninas nas ruas exigindo estabelecimentos de estética pelo preço mínimo. Claro, o problema deixou finalmente os salões de beleza para tornar-se assunto de saúde pública - “adolescentes vítimas de anorexia mexem com o mundo”, lê-se nas retrospectivas de fim-de-ano.

Que a gordura extra na carne incomoda isso é fato. É fato que a sua ausência também incomoda, principalmente quando vira espetáculo, como no personagem de Kafka. Confinado em uma jaula, o “artista da fome”, incapaz de tragar mera migalha de pão, atraía multidões nas cidades européias. Sua única tristeza era não poder jejuar por mais tempo, uma vez que seu empresário limitava o prazo de abstinência em quarenta dias. À medida que o tempo ia, as pessoas se interessavam por outras formas de diversão, e passaram a ignorar o artista. Até que, confundido com a palha podre da jaula, o artista teve forças para uma confissão ao inspetor de circo:

-Eu queria que vocês me admirassem, mas não deveriam – disse o artista.

-E por que não? – retrucou o inspetor.

-Porque eu nunca encontrei uma comida que gostasse... se tivesse encontrado alguma, acreditem-me, não teria feito toda esta confusão. Teria me empanturrado como você ou qualquer outra pessoa – falou, antes de ser enterrado com a palha apodrecida e dar lugar a uma jovem pantera, bem alimentada, da qual os espectadores não desgrudavam os olhos.

Se fosse nosso contemporâneo, e mulher, o “artista da fome” teria status de cânone da beleza. Visitaria o Faustão aos domingos e contracenaria com a Grazi em “Páginas da Vida”. Volto ao que queria dizer: o mundo de hoje tem algo de Kafka.

Não é necessário ir muito longe. Tratarei os exemplos pelos números, dado que, no ano passado, os obituários o fizeram por pesos e medidas. Ana Carolina Reston, 40 Kg e 1,74m, 21 anos, modelo, vítima de anorexia e de infecção generalizada causada pelo estado de fragilidade extrema. Rosana de Oliveira, 23 anos, manicure, morreu após três anos convivendo com anorexia. Tinha 40Kg e 1,68m. Beatriz Cristina Ferraz, 23 anos, estudante, sofria da doença há quatro anos. Morreu no banho, parada cardíaca, na véspera de Natal. Chegou a pesar 27 kg.

Isto sem falar na uruguaia Luisel Ramos, de 22 anos, que sofreu parada cárdio-respiratória fulminante em pleno desfile. Como que num espelho da doença, depressiva, solitária, escondeu-a do público até o último momento – caiu quando ia da passarela para o camarim.

O irônico é pensar que muitas sequer passaram fome na vida. São filhas da classe média, média-alta, alta, AA, outras bem-sucedidos pilares da moda, saudáveis, cercadas de conforto por todos os lados. Algumas até polpudas em certos momentos da vida. Nunca lhes faltou um prato de filé com batata frita na mesa. Está para nascer uma miserável anoréxica.

Vaidade não escolhe classe. Sei. Se lhes resta um mísero tostão furado no bolso que pague a refeição, contudo, ouve-se logo da mãe desdentada: “As criancinhas na África dariam de tudo para ter esse pouco de comida que você tá recusando”. As mães e suas verdades... desmantelam qualquer um.

Até os 13 anos tive um vizinho chamado Ademardo – ou Adê, para os íntimos. Vejam, já não se fazem mais vizinhos chamados Ademardo, que é nome de vizinho, assim como Oliveira ou Helinho. Também não se fazem mais vizinhas gordas como as de Nelson Rodrigues. Se antes os homens eram magros, olhos esbugalhados, peito cavo, as mulheres tinham que ser gordas. Hoje uma gorda não passa sem um sinal de exclamação ao lado. “Gorda! Gorda!”, repetem em coro.

Como num lampejo de sobriedade, a Marie Claire desprendeu suas folhas da mediocridade que cerca o mercado editorial brasileiro – um abutre que repica mesma carniça, semana após semana, até que o assunto apodreça ou pinte carne fresca – para discutir a anorexia como problema fora das passarelas: o padrão de beleza é imposto a todas as mulheres, não só às modelos. Mesmo que a capa da revista trouxesse estampado o magérrimo furacão almodovariano, Penélope Cruz.


Leio ainda que tubos de alimentação, usados para injetar nutrientes à força nos corpos subnutridos, são símbolo de status entre um grupo de meninas. Fecho os olhos com vontade de dizer-lhes, "sejam gordas, meninas, sejam gordas".

21.12.06

Ditadura do Som: Ipod, Zen Vision e afins mataram a imprevisibilidade

O verão promete esquentar a disputa auricular pelos novos aparelhinhos de mp3. De um lado o iPod mini, da Apple, de outro o Zen Micro, da Creative. Ambos são pequenos, leves, simplificados, reproduzem vídeos (mp4) e tocam entre 12 e 14 horas de música seguida, tempo médio de uma bateria. Escondidos em bolsos, mochilas, pochetes (juro, um mal necessário), carrinhos de bebê ou mesmo acolhidos pela palma da mão, esses verdadeiros titãs da tecnologia são talvez pouco notados nas ruas (o que é bom, principalmente se você for vizinho da Cruzada, no Leblon, ou se é obrigado a passar pela Linha de Gaza, digo, Amarela com freqüência). Mas, do alto de sua pequenez, eles reúnem número cada vez maior de adeptos.

Quem já teve, tem – senão, provavelmente terá – acesso a essas maravilhas sabe o prazer que 80 gigabytes de música podem proporcionar à orelha presente. A click wheel do iPod é uma verdadeira dama. Macia, ágil, sensível, de low action. Não escolhe parceiros: vai de Jobim a Pitty em menos de 720 graus. É a roda da fortuna dos afortunados. Que democrática!


O produto da Creative não deixa por menos. Tem qualidade de vídeo superior (são 262 mil cores contra 65 mil do iPod), proporcionando mais contraste e nitidez, sem contar que é possível transmitir os vídeos pelo aparelho de TV, mesmo nos de alta definição. Puro deleite visual.

Tudo bem. Onze entre dez humanos não
trocam seus fones brancos por nada, nem mesmo por sua... liberdade?! Eis o que quero dizer: não há espaço para a espontaneidade no mundo dessas maravilhas tecnológicas.

Vejam. Assim que se ganha seu primeiro iPod, instala-se o iTunes, empilha-se o máximo de CDs próximo ao computador e, literalmente, atulha-se o maior número de faixas que o seu dinheiro permitir para dentro do aparelho. Tudo para se livrar de um estorvo que só faz peso na prateleira (a Secretaria de
Segurança pública já mexe seus pauzinhos para dar conta dos condenados suportes plásticos da Casa & Vídeo). Na era da praticidade rareiam os espanadores, caíram em desuso pois se chegou à seguinte obviedade: a música é um meio imaterial (sic), inodoro, invisível. E quem teria sido o idiota a inventar que precisamos tirar-lhe a poeira ao menos duas vezes por semana?


Vimos que os iPods da vida não têm cheiro, não sujam, não reclamam espaço na estante. Perto das velhas bolachas de LP, os mp3s são seres independentes, puros, divinos. Esses espíritos de luz própria que vagam pelos ouvidos, contudo, obedecem a uma regra: tocam apenas o que lhe foi injetado, não pensam por si próprio. Os aparelhinhos divinos são burros!

Como não há ninguém por trás da tela de LCD para determinar o que tocará em seguida, os computadorezinhos são largados à própria sorte. E, como o Lula em brincadeira de par ou ímpar, fazem o que lhes foi programado, play next song, please.

Um idiota da objetividade protestaria em favor da vastidão de possibilidades, de opções, que incluem até a opção random (traduzido do inglês significa, entre outras coisas, aleatório, ou ainda sem propósito ou objetivo, sem sentido). Este recurso embaralha as músi
cas e, como o nome propõe, as toca sem ordem pré-estipulada. Uma definição mais avançada do Babylon choca: unpredictable. Vejam como até o dicionário mente, trapaceia, nos burla a paciência. O que há de imprevisível se todas as músicas no playlist “inesperado” foram pré-selecionadas pelo próprio usuário no iTunes? O “mistério” repousa, ainda, na prateleira.


Na contramão do boom de autômatos, o rádio resfolega os últimos suspiros de franqueza. Repousa aí o verdadeiro mistério. Existe uma troca no rádio, do dj para o ouvinte, de ser humano para ser humano, eis a novidade, aí está a surpresa. Os aparelhos de mp3 são solitários, revelam um isolamento compartilhado apenas por aqueles próximos, amigos, vizinhos namoradas etc. etc.

Escutar rádio é se expor ao desconhecido, render-se à surpresa em um mundo de mistérios descartáveis, velozes, tecnológicos. Prova disso é que o rádio prevalece, desde a década de 30, como o principal veículo de comunicação, divertimento e formação cultural no Brasil. Li que os novos Zen Vision da Creative virão com a modulação FM instalada. Mas quem lhe dará atenção, tendo 80 G do próprio gosto para se satisfazer?

1o post!!!

Cortando a fitinha.