21.5.07

O fenômeno murundu

O brasileiro não pode ver um apinho de gente que quer logo fazer parte. Para comprovar o fato, basta um atropelado na Rua México, uma tentativa de restituição no INSS ou o Flamengo jogar numa quarta-feira. A multidão, segundo o Aurélio, também pode ser de coisas, como o PF que você pede na padaria da esquina para economizar uns trocados. E quando chega o pedido você se arrepende de ter sido tão pão duro, bate aquela farofa com ovo azeda mais por raiva do que por fome e ainda pede um mate Leão “no copinho, por favor” em protesto.

Na maioria dos casos, os ajuntamentos urbanos são causados por uma quantidade enorme de pessoas que tentam realizar uma mesma tarefa, num mesmo lugar e numa mesma hora. No Rio e em Macau, isto é muito comum no caso do transporte público. Ônibus e trens transportam, diariamente, centenas de milhares de cidadãos de casa para o trabalho, do trabalho para casa, ou de qualquer destes dois lugares para o boteco da esquina.
Uma versão bastante popular das aglomerações se dá no metrô da Cinelândia, de segunda a sexta, entre as 18h e 19h30. É o fenômeno do murundu. Fosse um marciano funcionário raso da Petrobrás a utilizar o metrô pela primeira vez, deixaria o escritório, atravessaria a Praça Floriano e, ao descer as escadas, se depararia com a fila das roletas. Estágio um.
Estágio dois. Passada a fila da roleta e o guarda municipal que acompanha a coleta dos bilhetes com um sorriso sacana nos lábios, o extraterrestre se posicionaria num dos mini-focos de ajuntamentos à beira da linha dos trilhos. Consultando o jornal que não teve tempo de ler durante o dia, observaria, com desconfiança, os dizeres em amarelo no chão: “Atenção com o vão entre o trem e a plataforma”.
Aberta a porta automática, seria atirado de súbito dentro do estágio três, que configura entrar no vagão aos empurrões e cotoveladas. Finalmente, o marciano entenderia que a estação da Cinelândia é repleta de atividades que incluem "vãos", além daquele entre o trem e a plataforma. Tentar se mover é em vão, tentar respirar é em vão, reclamar que o salto da senhora esmaga seu mindinho esquerdo é em vão, tira o dedo daí e vão... E tome murundu sentido Zona Norte.
Uma vez no interior do vagão você deixa de ser você. Segundo as leis do murundu, dois corpos podem e têm que ocupar o mesmo espaço. Tamanho é o aperto, que uma breve coçada de nariz num extremo do vagão, por mais discreta que seja, gera um belo de um cotovelaço no estômago na outra ponta. Se ali começasse uma partida de frescobol, o murundu seria ao mesmo tempo jogadores, bola e raquetes em movimentos constantes e involuntários de vaivém, seguidos de 20 pai-nossos e 13 ave-marias para que o ar-condicionado não quebre no meio do caminho.
O fenômeno murundu também produz seus derivados, entre os quais podemos citar a apalpadela. Praticada, em geral, por homens que aproveitam o entroncamento de corpos para tatear o traseiro alheio – na maioria das vezes pertencente ao sexo oposto, embora isto não seja uma regra – vem sendo mais comum em vagões do metrô. Já há registros de casos em vans.
Normalmente a apalpadela é seguida de um safanão – outro derivado – no apalpador e acompanhada de bolsadas e gritos de “tarado” até que o mesmo seja expulso do vagão. Para solucionar o problema foi criado o vagão feminino, que além de ser freqüentado exclusivamente pelo sexo mencionado e possuir adesivos cor-de-rosa-de-calcinha-velha do lado de fora, é muito útil para constranger homens desavisados.

Como tudo que é bom dura pouco, o murundu salta do trem na estação do Estácio. Vai espalhar sua alegria pela linha 2 de transferência, sentido Pavuna.

1 Comments:

Blogger Cithara said...

Ótimo texto, do Murundu. Muito engraçado. Parabéns
Rodrigo

00:13  

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