23.2.07

A Terra segundo o Google

Meu Deus, digo, meu Google. Afinal, é assim que deve se sentir Deus: como uma ferramenta de busca com design da Europa Technologies. Foi essa a impressão que tive ao usar o Google Earth for the first time. Meu cursor tropeçou nesta maravilha por acaso. Procurava uma pousadinha para descansar no feriado de Carnaval e, quando vi, já estava debruçado sobre a Guanabara, rastreando a estátua do Cristo como um turista alemão.

A ferramenta é simples, como boa parte dos serviços da família Google (Gmail, Google Analytics etc). Dois cliques e três minutos depois e... voilà, você terá o mundo na ponta dos dedos. Para o trabalhador comum que não desfruta de utensílios básicos da aerodinâmica mundial - como um helicóptero da Daslu no quintal - e que só voa na hora de descer do ônibus, o “Earth” representa a chance de ver o teto de sua casinha pela primeira vez. Que atire a primeira pedra quem nunca teve a indiscrição de fazer o mesmo. Rico ou pobre. Alguém se habilita?

Não há ser humano, vivo ou morto, que não tenha curiosidade de ver a Terra da perspectiva da lua ou do jatinho do Donald Trump. Eu mesmo, num ato de bisbilhotice mórbida, visitei o Dakota Building, no Upper West Side, em Nova York, última morada de John Lennon. Sempre tive vontade de ir à Big Apple, mas nunca tempo (leia-se money, tutu, bufunfa, $$$ mesmo). A poucos metros a pé, ou em centímetros pelo mouse pad, chego ao memorial “Imagine”, no Central Park.

Em outras épocas, esse “turismo virtual” seria impensável. Nelson Rodrigues, que era "cabeçudo como um anão de Velásquez”, como ele próprio definia, guardou em sua cabeça-balão crônicas memoráveis da Zona Norte carioca, onde morou no início do século 20. Numa dessas histórias, se recorda de Lili, uma vizinha gostosa por quem o escritor, aos seis anos, se enamorou. Lili se apaixona por um jovem tuberculoso. Como bem se sabe, a doença, na época, era letal. Cansada das surras do pai, que não aceitava o destino do moço, Lili tocou fogo no próprio corpo. Nelson lembra, aterrorizado, de caminhar pela calçada enquanto ouvia a vizinha “arder como uma estrela”.

Vejam. O curioso Nelson caminhava despretensiosamente pelo passeio público quando ouviu Lili estalar em chamas. Por mais que o autor não ilustre a cena, ao menos da maneira que o “Earth” faria com as ruas de Paris ou Bangu, sua narrativa transmite ao leitor o hálito quente de churrasco que invadiu as narinas do menino, imóvel, sob a janela da moça.

A crônica de Nelson só nasceu porque o escritor deslizava pelas ruas como um Baudelaire suburbano. Ao flanar por entre os paralelepípedos da Zona Norte, percebeu que o ser humano é tão cruel como curioso. Desde sua infância, há 6 mil anos, o homem mata e morre de quinze em quinze minutos (no Rio, já superamos a marca). Ao vivenciar – do latim viventia, fato de ter vida, de viver; existência, experiência da vida - histórias como a de Lili, Nelson concluiu que a solidão nasce da convivência humana.


De volta ao “Earth”. Reza a lenda que o programa foi idealizado pelo governo americano, em meados da década de 60, para espionar os russos. Com a queda do muro de Berlim, a democratização da Internet e os avanços da tecnologia aeroespacial da Nasa - que hoje em dia só usa satélites made in Taiwan (bem mais em conta, dizem) -, qualquer pessoa, com no mínimo um acesso discado em casa, pode ir aonde Cabral jamais esteve antes. Ao menos virtualmente.

Numa época em que a busca por prazeres virtuais supera, em muito, os reais, o Google Earth supera, em muito, as calçadas e bancos de praça. Nelson disse, certa vez, que a televisão matou a janela. Pergunto, então, aos meus botões, se a utilidade do “Earth” vai além da visualização digital de tetos e ruas, ou apenas entrega que a piscina do vizinho é maior do que a sua. A Terra vista daqui debaixo é tão mais bonita. Cartas para a redação.



Por fora do "Earth"? Então baixa aqui.

Gente nua pelo Google Earth? Também tem, mas sem a definição que o mão peluda gostaria: http://googlesightseeing.com/index.php?s=topless

14.2.07

Cuba para os... cubanos?

Vejam se a confusão está apenas deste lado do monitor: “Ser cubano é sinônimo de ser republicano. Quando digo às pessoas que sou democrata, pensam que sou comunista. Temos um presidente republicano e tivemos um Congresso também republicano por anos. O que mudou?”, pergunta a ativista Susana Betancourt, presidente do Comitê Democrata Hispânico de Miami, na Folha de São Paulo desta terça (13).

A reportagem trata da preferência eleitoral de exilados cubanos nos Estados Unidos pelo partido de Bush. Segundo levantamento, sete em cada oito expatriados da Ilha, agora residentes no sul da Flórida, ajudaram a eleger o presidente americano em 2000.

São aproximadamente 800 mil cubanos só na área de Miami, onde a nossa amiga ativista é minoria. Democrata, naturalizada americana, hispânica e comunista (?!/sic), Susana flutua numa espécie de limbo do imaginário expatriado.

Insatisfeitos com as estatizações realizadas por Fidel, os cubanos bem de vida do regime de Fulgencio Batista deixaram a ilha antes de 1980, às barbas (com trocadilho) da Revolução. Correram como pivetes da Cinelândia, deixando para trás dinheiro, jóias, automóveis, adegas, mansões, pousadas, hotéis. Pelas suas contas, Fidel não duraria um ano no poder.

Quarenta e oito anos depois, esta “velha guarda” recebe a brisa morna dos recifes da Flórida nos cabelos brancos enquanto agita, uma em cada mão, bandeiras cubanas e americanas. Sai às ruas de Pequeña Habana, em Miami, e exige uma política mais dura contra o regime castrista e a manutenção do embargo entre uma tacada e outra no mini-golfe. Vejam: a “velha guarda” cubana carrega as marcas da revolução para o mini-golfe.

Postura diferente a dos que chegaram aos Estados Unidos após 80. Estes defendem a flexibilização das leis americanas em relação à Havana. Entre elas, a liberdade de viajarem a turismo para a ilha. As novas gerações têm saudade da terra natal. Desejam “visitar” Cuba como um carioca visita o Porcão em Nova York.

E que raios a nossa ativista Susana tem a ver com a lingüiça que se assa em Nova York? Tem tudo a ver. Qual a relação entre o jovem Democrata ser confundido com “comunista” na América? Toda, tem toda relação. A própria personagem da Folha amarra a resposta com uma pergunta: o que mudou com os Republicanos no poder?

Concebida sem prazo de validade, a guerra do Iraque e a conseqüente baixa popularidade de Bush deixaram lacunas. Com o fracasso da investida, uma parte da população desacreditou do discurso Republicano para abraçar o Democrata. Os “comunistas-ativistas” da nova geração dispensaram a farda verde-oliva e hoje depilam a face com presto-barba do Wal-Mart. Mas, mesmo nascidos em ventres expatriados, sentem falta de casa. Querem sentir Cuba, querem cheirar Cuba, querem babar seus pileques em Cuba. Com ou sem "el Comandante".

Na corrida à sucessão presidencial americana de 2008, os candidatos de ambos os partidos apontarão –espera-se- novos rumos para a ocupação no Oriente Médio, assim como seus planos para o regime cubano quando Fidel abotoar o paletó de madeira. Enquanto isso, Cuba está mais para os americanos do que para os cubanos.


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