A ducha fria alvinegra
Desde garotinho que não sou Botafogo. Nasci Flamengo e, como todo bom rubro-negro, tenho o Vasco como segundo time. Segundo na Copa do Brasil, segundo no carioca, segundo no Campeonato Brasileiro, segundo no Mundial interclubes, e por aí vai.
Mas é por causa do Botafogo que lhes dirigia a palavra. Do Botafogo e dos botafoguenses. Vejam vocês que ontem, ao sair do escritório, no Centro do Rio, arrumei uma condução que passava bem em frente ao Majestoso, o Maracanã. Tinha me esquecido que era quarta-feira, e o Botafogo disputava o jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil contra o Figueirense. O alvinegro carioca havia perdido por 2 x 0 em Florianópolis e precisava de pelo menos dois gols para levar a decisão aos pênaltis. Três gols de diferença garantiriam a vaga na final.
Muito bem. E o que isso interessa na viagem de volta para o meu tranqüilo lar em Jacarepaguá, vocês perguntariam? Nada, se o Maracanã não tivesse sido construído bem no meio do caminho entre o trabalho e um banho quente e acolhedoras meias de lã. Ah, sim, estamos no fim de maio e o frio de interior de bolsa térmica que corta o Rio este ano se antecipou às convenções, dando as caras em pleno outono. Para o carioca médio, acostumado às ardências do verão, quando o termômetro da Praça da Bandeira indica 16 graus, isto mais do que justifica um banho quente e as meias de lã.
Dito isso, eis que minha admiração pelo Botafogo só aumentou ao ver aquele repertório de botafoguenses nas ruas. Mães, avós, tios, namoradas, amantes, todos com as mandíbulas dançando de frio rumavam em direção ao Majestoso. E que belo espetáculo é esse estádio. Seus holofotes, quando acesos, podem ser vistos à distância (talvez Santa Cruz), como para sinalizar uma área de pouso de alienígenas (quiçá São Cristóvão). Tinha botafoguense saindo pelo ladrão, chegando de van, de trem, de ônibus. Vi até um torcedor empurrando seu Puma prateado (uma beleza) sem gasolina para dentro de uma vaga sob o viaduto da Uerj.
O circo armado, 64 mil pagantes se esquentando na arquibancada, e só dá Botafogo. O jogo mais parece um duelo de Davi contra Golias. O escrete do Botafogo é infinitamente superior ao do time sulista. Que poderia fazer o Figueirense contra um Zé Roberto, negro potente, habilidoso, imponente, a Alma do Botafogo. Ou contra um Túlio, um esforçado Joílson. Que poderia fazer contra um artilheiro nato, talento escasso no futebol carioca, como Dodô?
Que poderia fazer o Figueirense contra o time mais bem armado, mais bem treinado do Rio, e que além disso carregava o peso de 64 mil mandíbulas sambando de frio e de paixão na arquibancada? Nada. Absolutamente coisa nenhuma. E foi assim que o Botafogo enfiou dois gols no primeiro tempo, sem a menor dificuldade. E olha que a vantagem poderia muito bem ter sido de três, quatro, ou quem sabe cinco. Poderia? Ah, poderia, sim.
Mas observem, eventuais leitores, que os jogadores do Botafogo foram para o intervalo e não voltaram mais. Como se os dois gols da primeira etapa bastassem, o time desandou na segunda como massa de bolo. Largaram as energias em algum canto do vestiário ou do primeiro tempo. Zé Roberto, a Alma do Bota, não tinha mais pernas de tanto que armou, correu, driblou, fez e perdeu gol nos 45 minutos iniciais. Mas foi peça quase nula nos 45 seguintes. Era uma Alma nula. E vejam que, sem sua Alma, o time alvinegro não foi mais o mesmo. Passou o segundo tempo todo como Cleópatra esperando as uvas.
Aí até uma jovem, assustada e – que me corrijam se lhes dirijo baboseiras - inexperiente equipe catarinense entrou no jogo. Seus jogadores, que no primeiro tempo não tiveram a ousadia de cruzar o meio de campo, agora driblavam, acertavam passes, tabelas inteiras. E foi num desses lances menores, um despretensioso chute de fora da área, que o bom goleiro Júlio César engoliu um frangaço daqueles. Teve a hombridade de assumir a ave como responsabilidade sua, mas a eliminação não foi mérito exclusivo do jovem goleiro. Nesta noite de banhos quentes e meias de lã, o time inteiro do Botafogo caiu como uma ducha gelada nos seus torcedores.